segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Palmares, Canudos, Pinheirinho

O eterno retorno.

Um amigo diz que a história do Brasil é muito chata. Ele é argentino e revolucionário e entende das coisas. Me fala do México, da Colômbia, de Cuba, óbvio, mesmo do Chile. Uma das coisas que mais me impressionou quando comecei a ler sobre a Argentina foi o sangue que corria solto por aqui no século XIX, o país em constante guerra civil. Nos textos românticos daqui não tem sabiá cantando nem índia de lábios de mel, muito pelo contrário. Há ódio, violações, a literatura sendo usada como arma, mais ou menos parecido com o que aconteceu durante as independências africanas no século XX. E o Brasil?

O Brasil não tem conflitos, não tem guerras. "Há 140 anos em paz com seus vizinhos", a Dilma se gaba na assembleia da ONU. A Polícia Militar diz pelo twitter que a "reintegração de posse" do Pinheirinho "aconteceu pacificamente". Até agora são três mortos reivindicados pelxs moradorxs, que denunciam que a prefeitura de São José dos Campos desapareceu com os corpos para que não contassem nas estatísticas.

"... tranquilo..."
Que história é essa que a gente está contando? Na escola, eu aprendi que a colonização foi lenta e tranquila, a independência foi rápida e tranquila, a proclamação da República foi engraçada - e tranquila - e os "anos de chumbo", ah, esses sim foram ruins... pero no mucho. Logo veio o fim da ditadura, com a grande festa da democracia brasileira, a campanha Diretas Já!, o impeachment do Collor. E tudo, mais uma vez, tranquilo.

Mas tem três pessoas mortas. Uma delas é uma criança de três ou quatro anos, perfurada por uma bala de borracha. A nossa polícia é delicada: mata com balas macias.

Essas três pessoas mortas se multiplicam: no século 18, leio um relato, o capitão Bartolomeu Bueno do Prado, especializado na guerra contra os quilombos, volta de uma batalha com três mil pares de orelhas de negros guardadas nos lombos dos cavalos. Por qualquer caminho que você entre na história do Brasil, um massacre sempre vai te pegar de assalto. Em Palmares, dez mil foram mortos degolados, jogados de abismos ou vendidos como escravos.

Palmares foi a maior rebelião de escravos já vista, a mais duradoura. Foi uma ocupação que durou mais de um século e que criou, na América que os portugueses tentavam criar, um Estado autônomo, à semelhança de reinos africanos, e que tinha a área equivalente a um terço do tamanho de Portugal.

A conquista portuguesa da América tinha como base econômica a monocultura. Na Ouro Preto do auge da mineração, por exemplo, os ricaços do ouro muitas vezes não tinham o que comer, sendo obrigados a mastigar ratos e outros bichos rasteiros; isso porque não se cultivava comida, não havia subsistência. Como os desertos verdes de soja, hoje em dia, a relação com a terra era apenas predatória. O mesmo nos latifúndios açucareiros, "estruturas do desperdício" que empobreceram os ricos solos do nordeste brasileiro e que obrigam a importar comida que bem poderia ser plantada por lá.

(Leio essas coisas no As veias abertas da América Latina, do Eduardo Galeano.)

Pois bem: em plena época dos desertos verdes da cana-de-açúcar, Palmares era o único lugar do Brasil onde se desenvolvia o policultivo. O perigo que Palmares representava para o governo não era só a rebelião escravista, mas sua capacidade de autogestão. Para destruir essa comunidade, a coroa portuguesa teve que juntar o maior exército de todo o período colonial. O povo, unido, precisa ser vencido. E, no Brasil, geralmente é.

A Globo também diz que foi pacífico, mas a repórter
usa colete à prova de balas.
Se nossas revoluções são maiores, a repressão tem de ser desmedida. Pinheirinho, por sua vez, é a maior ocupação urbana da América Latina e foi destruída com helicópteros, bombas, balas macias que matam crianças e depois desaparecem com os corpos.

Palmares, Canudos, a história do Brasil é chata porque é monótona, invariavelmente se repete: o poder central sabe que é fácil matar uma ideia - é só matar as pessoas que têm as ideias, destruir as casas onde elas dormem, comem, amam e fazem assembleias. Pinheirinho resiste?

O que está acontecendo é responsabilidade de todxs nós. Precisamos pensar juntxs o que fazer - e fazer juntxs. Há vários protestos acontecendo no Brasil, organizados por partidos políticos (ao menos pelo PSOL e o PSTU, que eu saiba) e por movimentos sociais (como o MTST). Além de ir a esses protestos, a gente pode também assinar esta moção de apoio e esta petição pública e enviar emails para governos municipais, estaduais e federal exigindo o fim dessa barbárie. Que mais?

Essas ações dificilmente vão assegurar aos moradores do bairro que voltem às suas casas, algumas já demolidas. Mas podem ser úteis pra que essas pessoas recebam tratamento digno e tenham seus direitos assegurados, e para que os responsáveis pelo massacre sejam punidos. Mas a História, essa só muda se a gente começar a se juntar.



3 comentários:

  1. Sobre Palmares, te recomendo um ótimo livro: "Palmares: a guerra dos escravos", do Décio Freitas. Até pouco tempo atrás, era tido como o estudo mais completo sobre o tema (apesar de ter apenas 200 páginas). Já li por aí que não havia só negros em Palmares, mas também gente fugindo da Inquisição.

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  2. Ótimo texto do Jânio de Freitas sobre Pinheirinho: http://brejaodoumbigo.blogspot.com/2012/01/o-que-houve-em-pinheirinho.html

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